Muitas são as definições sobre o caráter do enlace, mas ele é algo que nasce sobre a rejeição do desfazer. Gostaria de deixar um cântico latino de Catulo nesta introdução.
Carmen 62, 39-67
Ut flos in saeptis secretus nascitur hortis,
ignotus pecori, nullo conuolsus aratro,
quem mulcent aurae, firmat sol, educat imber;
multi illum pueri, multae optauere puellae;
idem cum tenui carptus defloruit ungui,
nulli illum pueri, nullae optauere puellae;
sic virgo, dum intacta manet, dum cara suis est;
cum castum amisit polluto corpore florem,
nec pueris iucunda Manet, nec cara puellis.
Hymen, o Hymenaee, hymen ades o Hymenaee!
Ut vidua in nudo uitis quae nascitur aruo,
nunquam se extollit, nunquam mitem educat uvam,
sed tenerum prono deflectens pondere corpus,
iam iam contigit summum radice flagellum;
hanc nulli agricolae, nulli accoluere iuuenci;
at si forte eadem est ulmo coniuncta marito,
multi illam agricolae, multi accoluere iuuenci;
sic virgo dum intacta manet, dum inculta senescit;
cum par conubium maturo tempore adapta est,
cara uiro magis et minus est inuisa parenti,
Hymen, o Hymenaee, hymen ades o Hymenaee!
Et tu nei pugna cum tali coniuge, virgo,
Non aequom est pugnare, pater cui tradidit ipse,
ipse pater cum matre, quibus parere necesse est.
Virginitas non tota sua est, ex parte parentum est,
tertia pars partri, pars est data tertia matri,
tertia sola tua est; noli pugnare duobus,
qui gênero sua iura simul cum dote dederunt.
Hymen, o Hymenaee, hymen ades o Hymenaee!
A tradução que se segue é de Eduardo Amaro:
Como a flor solitária nasce no jardim cercado,
ignorada ao rebanho, não arrancada com esforço por nenhum arado,
que as brisas acariciam, o sol anima, a chuva nutre,
muitos meninos, muitas meninas a desejaram.
Quando essa mesma flor, colhida por fina unha, murchou,
nenhum dos meninos e nenhuma das meninas a desejaram;
assim como a virgem inviolada é querida para os seus,
quando ao corpo violado perdeu a flor casta,
não fica agradável aos meninos nem querida às meninas.
Hímen, ó Himeneu, vem hímen, ó Himeneu!
Como a videira que nasce sozinha num campo nu,
nunca se ergue, nunca produz doce uva,
mas curvando seu corpo sobre o peso que a faz inclinar,
já já quase atinge o mais alto broto na raiz;
esta nenhum agricultor, nenhum jovem cultivaram.
Se por acaso a mesma se uniu ao olmo como marido,
muitos agricultores, muitos jovens a cultivaram;
assim a virgem permanece inviolada, envelhece sem cultivo,
quando alcança casamento harmonioso em época propícia,
é mais querida ao esposo, menos honrosa ao pai,
Hímen, ó Himeneu, vem hímen, ó Himeneu!
E tu não lutes com tal marido, virgem,
não é justo lutar (contra aquele) a quem o próprio pai entregou,
o próprio pai com mãe, aos quais é preciso obedecer.
A virgindade não é toda tua, em parte, é dos pais,
terça parte do pai, terça parte à mãe foi dada,
terça parte é somente tua, não lutes com nenhum dos dois
que ao mesmo tempo deram ao genro seus direitos como dote.
Hímen, ó Himeneu, vem hímen, ó Himeneu!
Assim é o desejo do homem frente ao enlace: o efeito terapêutico da manjerona. Ela alivia contusões e é sicatrizante. Toda comunhão cicatriza, alivia, ameniza e deixa um fruto ameno de certeza. Publico agora o meu conto "O himeneu". Reparem que não digo quem é este narrador e muito menos as suas principais características, já que a minha pretensão é focar na união e no que tange a sua existência. Pense na unidade e não em duas pessoas, são minha pequenas recomendações.
* * *
O himeneu
Já faz bastante tempo que eu conheço o meu amigo e é de época bem distante. Uma amizade meio amorfa que começou bem esquisita sem nem mais e nem porque. Aos olhos pude reconhecê-lo como amigo, uma companhia sem nenhum compromisso, sem elos, nem cobranças e nem responsabilidade. Eramos diretos, objetivos e brigávamos sobre o signo da sinceridade. Eu olhava e ele penetrava sua mira ocular sobre as mais profundas relevâncias da minha ocularidade castanha.
Era o filho da nossa vizinha e todos os vizinhos que se prezam tentam, no mínimo, exercer sua obrigação de cordialidade, de risos entredentes de bons dias mal ditos. No caso de minha mãe e a sua prestimosa vizinha, isto era diferente. Ali, sabia-se que existia uma certa relação amistosa que vagava pela intimidade. Claro, uma boa amizade se mede pela intimidade, mas isso não acontecia com as duas, nem tudo era dito, nem tudo revela-se, permanecia sobre o mais oculto cofre da mente, da sobriedade e da compostura. Elas eram condescendentes a ponto, do lugar mais íntimo, realizar-se um pretensioso pacto, um indiscutível respeito. Mas não que não pudesse fazer brincadeiras ou qualquer pilheria que atirasse a conversa para um momento mais íntimo. Só que essa intimidade se regulava a limites da mais absoluta correção.
Em cima de tanta discrição, conheci o incerto, o desregulado, o desmedido, o que estava distante da verdade e de tudo aquilo que soava falso. Eramos, pelos olhos, cúmplices do mesmo crime e absortos sob a mesma condenação. Ali, eu era só olhos. Mas tudo isso, que em segundos não eram perceptíveis e rememorados, não passou de um extenso e condizente cumprimento de mão. Disse o meu nome e ele disse o seu, construímos um elo. Passamos a brincar com frequência e com bastante barulheira. Para alguns, os nossos gritos eram insuportáveis. Mas só eram nós dois, a minha única companhia e eu fazia de conta que também era a sua única parceria.
Num dia trágico, a televisão noticiava o desaparecimento de uma banda de rock. Era um domingo, um dia de Deus, mas um dia de morte. Eu acordei sobre o choro condolente de minha mãe. Tomando café, pude ver, pela televisão, a recuperação dos corpos. As notícias eram regadas de sensacionalismo e com uma pitada de tristeza. Depois, eu fui até a casa do meu amigo vizinho e pude perceber uma certa alegria em seus olhos, mas a boca, impotente de verbalizar. Nós combinamos de jogar Banco Imobiliário, eu tinha o tabuleiro e os apetrechos do jogo. Levei e ele contente pegou a caixa de jogo que estava nas minhas mãos, abriu, separou as peças e começou a acariciar o tabuleiro, como se aquilo fosse representação de algo mágico. Ele via as formas e se conectava para um mundo diferente. Eu lhe perguntava sobre a tragédia da banda de rock, ele não ouvia a minha voz, sonhava ter propriedades na avenida paulista ou até mesmo uma casa no Morumbi. Ele tratou de montar o jogo e, ele mesmo, definiu-se como banqueiro. Somente os seus olhos ambiciosos e a boca lacrada deram conta da realidade criada.
Começamos o jogo. As regras eram claras, os dados lançados e o dinheiro repartido. Eu começava e lançava os dados para mover o meu peão vermelho. O seu peão verde dava sinais de prosperidade ao alcançar as casas maiores. Ele comprava as propriedades como um desgovernado aristocrata, vendia as casas sobre especulações de futuros lucros e dividendos, perdia dinheiro como um profissional de roleta de Las Vegas. Era um jogador-estrategista nato! E a desenvoltura dos seus braços, do seu corpo que movia na mesa, diante da euforia, mostrava um homem perversamente empreendedor, submetido a vários lances arriscados como se estivesse a frente de uma roleta russa. Ele jogava com bastante vigor e com uma pitada de desejo, nem mesmo a noticia da tragédia que passava na televisão ligada lhe movia as pestanas, a atenção sobre o jogo era extrema, sendo que cada dinheiro perdido era um palavrão dito. Eu disse que era um jogo, mas ele não ouvia,.trepidava sobre a cadeira, rolava os dedos sobre os outros. Até que eu sugeri que reiniciássemos aquele jogo, afinal a sua vitória era evidente.
Recomeçamos o jogo. Numa outra rodada ele estava em posse do peão vermelho. Eu, sobre o peão da sorte: o verde. Eu ganhava as propriedades sobre uma elegante naturalidade e sobre uma tranquilidade bucólica. Um jogo de tabuleiro expõe ao homem o seu verdadeiro caráter . Ali eu mostrava o meu talento administrativo, desfilando o meu peão da sorte sobre as casas maiores. Nessa rodada, nunca precisei pegar uma carta no “sorte ou revés”. Ele admirava a minha sorte, ele olhava atento para mim a cada lance, mas ele nunca mexia os olhos sobre mim. A boca selada era terminantemente imóvel sobre uma inércia misteriosa. Era uma força que lhe levava ao mesmo critério do não-dito. Nada revela-se, tudo permanecia sobre o mais oculto cofre da mente, da sobriedade e da compostura. Eu jogava sobre uma vitoriosa benção de todos os deuses. Até que , ele se rendeu a minha tão preciosa desenvoltura. Ele me propôs um empate. Eu disse que queria a vitória e ele disse que jamais daria e que aceitava um outro duelo! Mas, meu Deus! Um duelo, por quê? Eu tenho o direito de vencer o jogo, afinal quem trouxe o tabuleiro, os peças fui eu. Senti uma pontada de desafio sobre mim. Então, não hesitei e fui a diante. Prossegui o jogo com os mesmos peões e vi a vitória dele novamente, só que eu estava disposto a ganhar. Eeu pedi para ele um pedido sincero de clemencia. Ele disse sobre um sarcasmo que eu pedia arrego agora e perguntava onde estava a minha coragem de protestar uma vitória. Eu admiti a minha derrota numa extrema humildade e pedi para que comprasse as minhas propriedades Ele disse um não! A não ser que eu... lambesse o seu membro. Sob a reação do espanto e da empáfia, eu me recorri a porta e ela estava fechada que nem a boca... Meu Deus, a boca dele revela-se, mostrava o seu teor, não estava mais lacrada, o jogo lhe dera a sua real natureza e mostrava aquilo que eu nunca tinha visto, uma voz regada com vacilações e cochichos esquisitos. Então, eu lhe disse, um tudo bem trêmulo, um sinal medonho de concordância. Ele fechou a janela e me levou até seu quarto. Ele fechou também a porta! Sentou-se na cama e abaixou a sua calças. Eu ajoelhei e devagar acompanhei o seu ritmo , sem que perdesse a harmonia dos gestos. Eu lambia o membro de uma forma lenta e ele guiava com as mãos sobre a minha nuca, eu me rendia, abria a minha guarda. Criava-se em mim um ventre, um friozinho barato e ao mesmo tempo uma fogueira de delicias. Eu lambia o membro como se eu me entregasse a um imenso sorvete e que, como criança. a gulodice me levava a ir mais fundo.
De repente, senti em minha boca o resultado quente de tanto alvoroço. Era leite, era creme, era transparente. Era saboroso, era bom e eu queria mais. Após oito vezes ao dia, esse remédio me dava conforto. Poderia ser aonde quisesse, desde que não nos peguem em flagrante. O sabor daquele cremoso crime se esbaldava em meu peito, caso pedisse duas vezes. Não me recusava, do contrário, era eu que não queria, às vezes, sob o pretexto de alma indisposta. Assim sentia, dentro da mais profunda resignação e da rotina tão deliciosa, eram todos os dias, na minha casa ou na dele e sempre no quarto. Teve um dia em que no meio do processo, o minha irmã mais nova, com sua angelical idade de dois anos, nos viu em pleno ato. Seus olhos acompanhavam a minha cabeça que conferia sob o estatuto da língua a longitude membral do meu amigo. Ele tirou minha cabeça depressa e eu sentei de costas para o berço. Minha irmã, que nada sabia e nada entendia, voltou por berço e voltou para seu sono. Meu amigo se levantou em desespero, em amplo olhar de terror, dizia que a minha irmã ia contar. Eu disse que não, é muito pequena. E o meu amigo perguntava se daqui alguns anos ela contasse. Ele contou uma história meia torta dizendo que uma vez uma menina na idade do minha irmã era testemunha do crime de sua mãe e que, anos depois, ela apontara o assassino que era o próprio pai e que os flashes do acontecido lhe marcaram de tal forma que a menina sonhava todos os dias com o fato. Eu aleguei que era diferente, já que se tratando da morte da mãe. Meu amigo disse um nunca mais. E eu, sobre a sede do gosto, acompanhei-o até a porta. Na escada que dava para a rua, eu pedi mais e aos berros como uma suplicante nas terras de Tebas. Ele olhou dos dois lado com precaução e mostrou o seu membro petrificado. Continuei até sair leite da pedra, junto ao imenso perigo da nossa descoberta.
Tudo isso acontecia, até que em um dia veio o caminhão de mudança e as coisas da minha casa dentro da caçamba. Eu ia para um lugar distante e meu vizinho ficaria. Eu passaria anos sem vê-lo. A distância sacramenta uma mutilação de tudo aquilo que eu sentia ao sabor do céu da boca: sabor de gigante, fruta amarga-gostosura, mel derramante sobre minha carne bruta. Anos depois, uma visita, ele acompanhado de um amigo. O suposto amigo ria de mim e meu ex-vizinho balbuciava segredinhos pelo ouvido dele, olhando para mim com um olhar ardido de sadismo. Eu vi o fim, eu vi as imagens se desbotar como tintas em telas, como passados intensos que reduzem a sinistrato-de-pó-de-pulga. Sentia o meu amor, a flor casta inviolada, que nem mesmo meninos e meninas não querem mais. Arrancada por perversas unhas, tiraram essa fina flor,da terra violácea, que não era arrancada com nenhum esforço por nenhum arado. Essa mesma fina flor que não mais as brisas acariciam, nem o sol anima e a nem chuva nutre.
Os anos passavam singelos, os dias escorriam e a vida castigava. Numa rua qualquer, depois de vários anos, eu reencontro o meu velho amigo. O tempo havia sido generoso com ele: era o mesmo, mas com uma pequena novidade: era noivo. Meu choro, ali, convertia-se em pura felicidade, eu não entendia isso. Não sei se era seu retorno ou se era a sua volta repleta de novidades. Ele queria relembrar os nossos tempos e relembramos num hotel mais próximo. Os momentos relembrados eram mantidos, mas com um requinte do novo, da maturidade e da certeza do tempo mutável. Ali eramos velhos e novos conhecidos. Cada um sobre a vertigem de tudo aquilo que passa.
Dias depois, recebi o convite. Letras douradas e um nome cru e posto e eu chorava não acreditando. Mas, ao mesmo tempo, voltava minha alegria. Não conhecia sua futura companheira e nem mesmo queria. No dia do casamento eu estava na cerimônia e via seus olhos de tremendo vigor ao olhar para mim. Minha cabeça me remetia aos momentos relembrados e aos momentos novos. A noiva entra sobre lágrimas virtuosas e um branco espetacular. Toda noiva tem em si a mais singela vaidade de dizer que aquilo tudo era seu. Seus convidados, sua família, seu deus, seu noivo, assim era seu dia. Ela deslisava sobre o caminho até ao altar e, de repente viu o meu semblante. Ela me olhou, por alguns segundo, de forma firme. Seus olhos travavam-se em pleno combate e eu a olhava docemente até se converter, gradativamente, em intensa proteção. Os olhos da noiva delineava combate e os meus olhos, como sempre, passivos.
No momento da festa, num clube, fui até a piscina e vi que o céu era escuro, estrelado e a lua, maliciosamente, olhava para mim. O meu amigo, agora sobre os laços do himeneu, traz duas taças de champagne e olha para o meu rosto e diz que não sairei dali enquanto não aceitar o convite de beber uma taça com ele. Eu ria e me ofereci para isto. Eu bebi de olhos fechados e ele bebia olhando para mim como se estivesse lançado sobre qualquer aposta. Ele me pede um abraço e eu lhe dou. Nunca mais o vi
Na saída, eu pude notar uma outra rua, sentia um outro vento. Não olhava para traz, não me arrependi. Foi ai que eu segui a rua e um novo vento me surpreende, levando-me até uma rua agitada, cheia de pessoas aflitas e solitárias.
Eu me misturei a esta avenida tão iluminada. Eu mergulhei num mar de gente que bebia desejos.
CAIKO FIGUEIREDO
Em 17 de fevereiro de 2010.
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